As associações comunitárias de Aguapés, Osório e Maquiné reuniram-se com o Ministério Público Federal (MPF) para tratar de questões fundamentais no andamento do processo de desapropriação de terras pelo INCRA na região. O encontro também contou com a presença de lideranças afrodescendentes e aconteceu dia 22 de novembro na sede da entidade em Porto Alegre, através de seu representante, o procurador da República, Juliano Karam.
Ao apresentar um detalhamento aprofundado do impacto socioeconômico nos municípios do litoral norte gaúcho, as lideranças comunitárias buscaram enfatizar ao Dr. Karam a gravidade da situação através de farta documentação. Foi destacado, por exemplo, que o número de famílias a serem atingidas é de fato bem superior ao mencionado no relatório do INCRA, teoricamente o orgão do governo federal, encarregado por lei, para analisar o assunto.
A metodologia do INCRA relaciona uma família com cada propriedade atingida em seu levantamento. Desta forma, além de um grande número de proprietários não ter seu nome mencionado no documento, existe o dado – extremamente relevante - de que um grande de propriedades tem múltiplas famílias vivendo no mesmo terreno. Existem propriedades com duas, quatro, oito ou até mesmo 20 famílias juntas, reunindo avós, filhos e netos totalizando cerca de 950 famílias de não quilombolas que vivem dentro do perímetro pretendido pelos INCRA.
As associações comprovaram através de fotografias e documentos ao procurador federal a existência de alto grau de integração entre brancos e negros nas comunidades. Afinal, a convivência acontecia naturalmente na região sem os interesses que o Decreto Presidencial N°4.887/2003 incitou. Cabe destacar que a ‘flexibilização da Constituição’ permite a qualquer pessoa se declarar negra e se autoatribuir um pedaço de terra para tomar posse. É inviável separar famílias, locais e instituições de convívio, expulsando brancos, pois essa segregação não existe nem nunca existiu na prática. Tal aberração constitucional pode causar um caos entre as famílias de mestiços e aparentados entre si.
Também foi explicado ao Procurador Federal como é o processo de preparação de solos para hortigranjeiros. São necessários cerca de 25 anos para se atingir o grau de maturação do solo, sem falar na infraestrutura de irrigação e nos mercados de feiras. Realocar toda a agricultura familiar em outro lugar seria de uma complexidade absurda, pois as pessoas envolvidas seriam obrigadas - em uma mesma vida - a reconstruir e restabelecer o mesmo estágio produtivo arduamente alcançado em outro lugar.
A desapropriação de terras significa a ruína de um enorme número de pessoas que não são posseiros e muito menos invasores como funcionários do próprio INCRA tem se referido. São cidadãos e proprietários com escrituras públicas e que deveriam gozar de proteção do Estado e não da ameaça instrumentalizada que estão sofrendo do órgão federal e com certo protagonismo do próprio MPF, quando este cobra a implementação de um projeto de desapropriação coberto de vícios e imperfeições.
As lideranças afrodescendentes presentes na reunião, que também são proprietários regularizados e membros da comunidade e não são favoráveis ao pleito da associação quilombola, também manifestaram sua preocupação. Elas sabem que nenhuma pessoa será mais proprietária da sua casa ou terreno e que, obviamente, serão expulsos.
Ao final da reunião, a Associação Comunitária dos Moradores e Agricultores Familiares de Aguapés e a Associação Comunitária dos Proprietários em Defesa da Terra de Maquiné e Osório entregaram em mãos ao Dr. Juliano Karam, um documento com relatos e fotos da comunidade, assim como sugestões de encaminhamento de solução para o problema da região.
No exercício de seu papel de fiscal da lei pediram ao procurador o aprofundamento na questão e conseqüente forma instrumentalizada como está sendo conduzido o processo - por pressões de interessados e articuladores identificados com a causa.
A injustiça que pode ser cometida com os cidadãos das comunidades de Aguapés, Osório e Maquiné é muito grande. E, como o próprio Dr. Juliano Karam afirmou: “toda esta lei e processo são muito novos”. Mas a comunidade deixou muito claro que não está disposta a ser cobaia ou laboratório de experiência social em um processo de aprendizado dos legisladores e autoridades públicas.
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